O ecossistema de startups me deu um burnout racial (e soluções) e precisamos falar sobre isso

Alexandre Ribeiro


Para contexto, esse texto terá gatilhos e será longo. Mas eu te peço do fundo do coração que leia até o fim. Me dediquei para transformar dores profundas em poesia e aprendizado. Eu sou otimista, mas fugi do reducionismo de coach de internet. Aqui é vida real, é favela.

“O futuro é ancestral”
como diz Ailton Krenak. E quero viver isso.

Bora lá.

A falta de lideranças diversas e as violências do dia-a-dia “da ponte pra lá” me levaram os piores três meses da minha vida. Quem me conhece, sabe. Sou energético. Mas perdi a vontade de viver, o sentido de levantar da cama. Eu vivi o que só posso descrever como um "esgotamento racial/burnout racial”

Como diz o ditado “Hurt people Hurt people”
(pessoas machucadas machucam pessoas).

Aprendi com minha terapeuta que a gente precisa falar dos nossos problemas sem medo e sem ataques. Esse texto é para pensarmos em CURA.

Em março de 2023 eu tranquei o semestre da faculdade onde sou bolsista em Berlim e voltei para a Favela da Torre, em Diadema, porque fui selecionado para participar de um programa de investimento em startups embrionárias.

Um programa que pode investir em torno de setecentos e cinquenta mil reais na sua empresa. Legal a ideia, né?

Pessoal do programa, eu realmente tenho MUITA admiração por vocês, então por favor consideram que ISSO NÃO É UM ATAQUE PESSOAL, mas sim uma crítica construtiva para podermos criar futuros possíveis.

Agradeço MUITO por vocês terem me acolhido como bolsista. Por terem acreditado em mim e na Da Quebrada Pro Mundo. Entretanto, o que eu vivi com vocês é uma oportunidade, é um exemplo perfeito para trazer as minhas críticas construtivas ao ecossistema como um todo.

Se você, assim como eu, é novo nesse “ecossistema” (palavra que é tão falada mas ninguém sequer reflete que para um ecossistema funcionar a gente precisa de harmonia), deixa eu te explicar três termos importantes.

Startup: empresa nova que tem como foco crescer rápido, na maioria das vezes usando de tecnologia.

Burnout racial: o esgotamento, a falta de vontade de viver, de prosseguir, de tentar, de acreditar na vida, que acontece com pessoas de grupos subrepresentados na sociedade.

VC: Venture Capital, um lugar onde pessoas com grana sobrando investem em algo que tem bastante risco de dar errado, mas se der certo elas ganham bastante dinheiro. Eu gosto de definir como “Capital de Aventura” em tradução livre e histórica, já que o primeiro VC do mundo foram as capitanias hereditárias, onde pessoas com grana investiram nas capitanias. Referência bibliográfica aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=LjieOlWXwTw


O que me levou a um burnout racial?

Pretos servindo. Diversidade como troféu. Dinheiro, decisão e estratégia branca. 

O meu esgotamento já começou no primeiro dia ao pisar os pés no Cubo Itaú, o maior centro de startups da América Latina. 

Minha mãe é diarista e meu pai (falecido depois de 12 horas na fila do hospital público) era segurança. Ao entrar no prédio vi pessoas brancas nos elevadores e pessoas negras abrindo e cuidando das portas. Esse é um exemplo pessoal, mas essa história não é só minha. 

Reflitam: o que isso faz com o imaginário de pessoas pretas? Eu me sinto mais confortável de dar um bom dia para o segurança que parece meu pai do que para o sócio do programa que me escolheu. Pode parecer que não, mas a gente repara, o nosso corpo sente. Sem contar nas duas horas de busão lotado saindo de Diadema pra chegar na Faria Lima… 

A reflexão que fica para o coletivo: quem será que tem o direito e a leveza de não reparar nesses detalhes? Bora fazer a vida mais leve pra todo mundo?

Do outro lado, uma confusão na minha mente me deixa ainda mais esgotado. É errado empregar um negro como porteiro/segurança? Não. A minha família literalmente ascendeu socialmente porque meu pai trabalhou como segurança nos prédios da Berrini. EMPREGAR PESSOAS DIVERSAS FAZ BEM! O que não faz bem, nem para mim nem para você, é empregar essas pessoas sem pensar em como podemos falar sobre futuro, sobre carreira. 

Eu sugiro que a gente faça essas perguntas também para trabalhadores da base: 

Você tem vontade de crescer? Sim? Então vamos criar essas oportunidades juntos. Ninguém sabe como, bora criar juntos. Escutar mais do que falamos. Criar lideranças diversas que podem e vão abrir caminhos para TODO MUNDO. Não só para os nossos. 

A pessoa não quer crescer? Então a gente respeita e você vive sua vida FELIZ. Vamos desconstruído: nem todo mundo quer crescer, e pra muita gente uma vida simples tá de boa.

Nós precisamos reconhecer as barreiras sistêmicas e os preconceitos existentes. Trabalhar ativamente OUVINDO OS OPRIMIDOS E DANDO PODER DE DECISÃO PARA NÓS também desmontá-los.Para o mundo das startups: saia da Faria Lima e cola num Sarau de poesia como a Cooperifa. 

Cola lá na minha quebrada se vc quiser, eu te levo. Vem aqui em Berlin trocar ideia comigo. Engajem-se em conversas abertas e honestas sobre os desafios que todos nós enfrentamos. Um exemplo claro dessa desigualdade é o seu medo de perder um bem pessoal ou de ser sequestrado. Um mundo com mais oportunidades para moleques que se parecem comigo, é um mundo onde você vai ter menos medo de um oitão no vidro do seu carro.

Muito se fala que diversidade não é apenas uma palavra da moda; é uma vantagem estratégica que estimula a inovação, a criatividade e a lucratividade. Fizeram até estudos sobre isso. Mas eu discordo. Essa é a diversidade que a Faria Lima quer contratar e vender. É polida, é bonitinha e palatável. Esse sou eu, o moleque que saiu da favela e foi parar em Berlin, é a exceção da exceção. Mas isso só reflete um sistema opressor que vai adoecer pessoas como eu ainda mais colocando exemplos impossíveis de serem alcançados. Levar a diversidade DE FATO para as organizações vai ser ter que aprender a lidar com os problemas que essas pessoas sofreram durante séculos. Os problemas que vão ser um obstáculo para elas baterem metas, para elas se sentirem bem nesse universo tão novo. 

Eu ouvi essa frase no podcast da Melina Lopez com a Flávia Garcia: “Diversidade é convidar para a festa, inclusão é convidar para dançar”

Eu adiciono: e criar um futuro possível é dançar a música no tempo da pessoa, e caso ela não saiba um passo ou outro, a gente tem que voltar a musica até ela conseguir dançar.” E meu coração me diz que mais pra frente vamos precisar repensar a festa toda…

Mas o ensinamento principal é: você vai contratar uma pessoa diversa? ENTENDA ela. Faz aquele exercício de persona. Se coloca no lugar de quem cresceu sem pai e estudou em escola pública antes de cobrar por “soft-skills” de inteligência emocional. Vamos criar caminhos para acesso e oportunidade. JUNTOS. Vamos invistam em programas de mentoria e apoio especificamente projetados para capacitar quem é sub-representados. QUEM TEM DINHEIRO QUE FAÇA ISSO!

Vamos procurar e indicar ativamente os talentos diversos, mas também pensar qual é o próximo passo depois que essa pessoa entra em universo completamente novo.Precisamos aprender a falar sobre nossos traumas sem deixar que a gente seja consumido por eles. É crucial criar uma cultura de inclusão em que cada indivíduo, independentemente de sua origem, se sinta valorizado e apoiado. MAS QUEM SOFRE MAIS PRECISA DE MAIS APOIO!!!

Abracem a diversidade não como uma caixa a ser preenchida, mas como parte integrante do DNA de sua organização. Incentivem uma diversidade de pensamento. Você é homem e tem uma mina falando? Cala a boca, parceiro. Esse é só um exemplo… O primeiro passo para um futuro possível é um ambiente onde diferentes perspectivas não apenas sejam ouvidas, mas celebradas. Celebrar para além do biscoito na internet, dos elogios ao nosso cabelo. DINHEIRO É RECONHECIMENTO. DEEM DINHEIRO!

Além disso, vamos desafiar a ideia de que o sucesso só pode ser definido por métricas tradicionais. Celebrem as conquistas das pessoas diversas, primeiro conhecendo e depois destacando as suas histórias. Mostre o impacto positivo que eles causaram com um email para o seu departamento, faz uma festa, sei lá. Ao fazer isso, não apenas inspiramos a próxima geração, mas também mudamos a narrativa em torno do sucesso no mundo das startups.

Para meus pares diversos e sub-representados, quero dizer o seguinte: a gente não está sozinho. Se quiser escrever um comentário de desabafo eu vou tentar te dar um abraço virtual, um conselho, sei lá. Mas o foco é isso: não reprima suas emoções negativas. A gente é resiliente, sim. Mas o foco é ser saudável. É poder chorar tanto quanto celebrar. Sem medo, valorizando nossas redes de apoio. O nosso corre é duas, dez vezes mais difícil do que o dos playboy, mas lembrem-se de que nós trazemos um conjunto único de experiências e perspectivas. Valorize quem você é que isso vai impulsionar o seu sucesso. Busquem redes de apoio, mentoria e aliados que entendam e valorizem a importância da diversidade.

No resumo das ideia, mesmo depois de tanto sofrer, fiz bastante terapia para voltar a esse estado de espírito de acreditar.

Eu acredito que a mudança é possível, tá ligado? Olha para o trabalho que eu tô fazendo com a Da Quebrada Pro Mundo, meus amigues. Uma ideia simples: uma escola de inglês que PENSA e reflete COM o povo da quebrada. De nós para nós.E o que você pode fazer?

Terapia pode te ajudar a encontrar as respostas. Mas um futuro só vai ser possível se a gente confrontrar os problemas. E o problema principal é: não adianta achar que colocar uma pessoa diversa no seu time tá tudo certo. Vai dar muuuito mais trampo que isso.

E já que esse mundo é tão viciado em trabalho, bora se unir para trabalhar em um mundo melhor para nós? 


É #DaQuebradaProMundo 
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